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by PORTO ALEGRE CIA DE DANÇA

A DÁDIVA DE DANÇAR

As famílias russas cobiçavam colocar suas crianças  na Escola de Ballet. No início do ano letivo havia multidões de pais com seus filhos, meninas e meninos entre 9 e 10 anos, aguardando pelos exames de admissão. Lembro dos pequenos grupos percorrendo os corredores com pouca roupa, as crianças juntinhas como pintinhos, indo de uma sala para outra, de um exame para o outro. Os pais aguardavam, na maior expectativa, torcendo. Daquelas 300 crianças que se submetiam aos testes, seriam admitidas aproximadamente duas turmas de meninas e uma de meninos, cada uma com uma média de 12 crianças. Estes sortudos passariam seus dias na escola e em um turno receberiam os conteúdos básicos de todo currículo comum (matemática, língua russa, geografia, história, etc) e no outro, formação como artistas bailarinos.

A escola contava com amplas salas de dança, com grandes janelas para o parque, piso de madeira que regávamos durante a aula substituindo o linóleo e o uso do tóxico breu. Havia pianos de cauda em todas as salas e cantos da escola e as pianistas que tinham quase tanta autoridade na sala como os professores, não perdiam a oportunidade de corrigir os alunos que se atreviam a sair da música. Os professores, no entanto, eram respeitadíssimos, nós alunos levantávamos nos corredores sempre que algum passava.

Todos ficávamos o dia inteiro na escola. Fazíamos as refeições juntos, no refeitório. Todos que eram admitidos na escola e eram de localidades vizinhas, tinham direito também a morar no alojamento, desde criança até terminarem seus estudos. Havia bailarinos de todas as idades no prédio que ficava logo ao lado da escola, nosso alojamento.

Passei a viver em um grande quarto dividido com mais 7 colegas russas, do curso. Experiência incrível de compartilhamento, desapego, tolerância e respeito. Todas estávamos longe de casa e de vez em quando, chegavam grandes encomendas para alguma menina, presentes e gostosuras enviadas pelos pais, que rendiam divertidas festas. As vezes alguém cantava à noite para todas ou tocava o piano que estava logo ali no corredor ou ainda contava histórias,  em meio a festas, brigas e risadas. Era um conviver rico e intenso.

Tânia Baumann

∗ Bailarina e diretora da Porto Alegre Cia de Dança.
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Rumo ao Desconhecido III