POA CIA de DançaPOA CIA de Dança

OLHOS ABERTOS NA LUZ PORTO-ALEGRENSE

Imagine o prezado leitor um artista europeu, muito sensível e muito competente, chegando ao Brasil, casualmente nesta ponta sulina do Brasil, e vendo com seus olhos estrangeiros o que nós vemos, ou não vemos, com os nossos acostumados olhos brasileiros. O que ele veria?

Ele veria a luz linda de Porto Alegre, claro, assim como o verde intenso da cidade, mais os prédios bacanas que o tempo e a nossa displiscência não destruíram. Veria também a água, essa aí do lado, rio, estuário ou lago, massa molhada que fez a nossa cidade e que hoje nem aparece para nossas retinas cansadas, ou a mais remota água do mar, aquele por onde vieram colonizadores e para onde vamos descansar nosso ano regulamentar.

Mas veria também a quantidade enorme, humanamente demasiada, de gente pobre pela rua. Mendigos que realmente não têm aonde ir, ao lado de gente que até poderia ter um rumo, mas que por degradação pessoal prefere viver do escasso favor alheio. Gente que se acomoda em qualquer parte, em qualquer canto, e que a gente nem enxerga mais, porque já a consideramos parte da paisagem.

Mas, calma, nosso hipotético artista não está interessado em denúncia banal, dessas que podem ganhar uma manchete ocasional de algum diário e em seguida desaparecem. Ele está interessado em entender, profundamente, como é que essas pessoas se mexem, andam, dormem, e como é que lidam com as sacolas que carregam — ele quer entender como é o movimento delas, essas coisas diárias que o leitor e todo mundo fazem e, como os miseráveis da cidade, também são invisíveis para nós.

Nosso europeu em Porto Alegre quer entender para poder produzir arte. Arte do movimento, no tempo e no espaço: ele quer dançar, diante de nós, com bailarinos daqui — da cidade, do estado, de outras partes do Brasil —, um comentário sobre a nossa cidade, o nosso país, a nossa condição.

Claro que ele sabe que entre nós, cá no Brasil, e eles, lá do centro do mundo ocidental, há muitos laços de parecença, de parentesco, de paridade. Não só os miseráveis porto-alegrenses estarão encenados no espetáculo, mas nós todos, em alguma medida. A vida, no fim das contas, se parece bastante, quando o que está em jogo é aquilo que realmente importa.

Mark Sieczkarek é o artista europeu que até aqui foi tratado como uma hipótese. Escocês de nascimento, alemão de moradia, cidadão do mundo por opção, ele vem a Porto Alegre no contexto de um projeto que amadurece seu primeiro fruto aqui e agora, no espetáculo Olhos fechados no sol. Concebendo e comandando uma verdadeira interpretação da vida que rola bem aqui, em torno de nós todos, ele nos oferece o que de melhor a arte pode ser: um mergulho na vida, de que cada um sai mais humano, mais sábio, mais frágil em sua condição de passageiro da vida, mais forte em sua visão do mundo.

A hora é de aproveitar, abrir bem os olhos e deixar o coração ver tudo que a luz pode ensinar, tudo que a dança pode mostrar, tudo que a arte pode fazer viver bem diante de nós.

 

Luís Augusto Fischer – escritor, ensaísta e professor

Sinopse

OLHOS FECHADOS NO SOL convida seu espectador a mergulhar no universo das sensações, da poesia, da música e do movimento. Criado a partir das percepções e sentimentos do coreógrafo Mark Sieczkarek no seu primeiro contato com Porto Alegre. OLHOS não tenta contar uma história, não pretende ser entendido. Em cena estão contrastes e paradoxos: homens representando figuras femininas, o lixo se transformando em cenário e figurinos, o vazio da riqueza exterior, a felicidade lado a lado com a tristeza.

Elementos concretos, como as flores, o barco e o futebol, agregados ao movimento dos bailarinos, trazem ao palco o mar, as ondas, a felicidade e a solidão. São elementos ordinários que se transformam em arte.

Cenário

Uma das inspirações para OLHOS FECHADOS NO SOL foi a usina de reciclagem da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis do Movimento dos Direitos dos Moradores de Rua – ACMDMR, em Porto Alegre, que Mark visitou diversas vezes. A experiência que o coreógrafo teve em meio aos trabalhadores,  rendeu inspiração para criação de um personagem da obra  e ajudou no processo de criação do cenário e figurinos de OLHOS. “A dignidade que estas pessoas conquistaram trabalhando com lixo, sua força de vontade e alegria de viver são inspiradoras”, disse o coreógrafo.

Figurino

De forma espontânea, acabou formando-se um processo coletivo para a confecção dos figurinos, adereços e cenário. Os recicladores, os bailarinos e muitos colaboradores juntaram-se, em uma força tarefa que exigiu um trabalho artesanal de muitas horas para dar forma as criações do coreógrafo. Enquanto os figurinos básicos do espetáculo são quase iguais, os adereços confeccionados com material reciclado individualizam e criam personagens únicos. Imagens coletadas pela equipe coordenada pelo cineasta Bruno Polidoro, também  compõe o cenário da obra, trazendo desde a força  da realidade cotidiana vivida pelos catadores até a poesia do mar, para dentro do espaço cênico.

Música

No início da trilha sonora de OLHOS FECHADOS NO SOL,  Mahler prenuncia o ambiente onírico em que os personagens aos poucos vão se apresentando. Logo, a trilha montada pelo coreógrafo entra em uma sequência que evidencia a visão de Mark Sieczkarek sobre o Brasil, uma mistura de ritmos brasileiros, melodias estrangeiras, momentos de silêncio e os sons do mar. Uma simbiose que leva o espectador a uma viagem com os personagens, que as vezes parecem perdidos em um mundo particular e outras vezes se juntam para representar cenas lúdicas ou engraçadas, como o encontro com o mar, o desfile de carnaval ou o jogo de futebol.

Iluminação

A luz do espetáculo, um trabalho primoroso desenvolvido por Maurício Moura e Fabrício Simões, ajuda a nos transportar para os diferentes estados de espiríto que nos acometem quando vivemos em grandes centros. Mas também faz com que objetos ordinários brilhem e se transformem, nos trazendo a suspeita de mesmo com os olhos abertos podemos estar deixando de ver muitas coisas que estão a nossa volta.

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